Inclusão e exclusão: estratégias de controle da população negra

Nesta quarta (19), aconteceu na Faculdade Cásper Líbero mais uma palestra da semana de debates sobre raça, resistência e identidades. Reuniram-se o analista socioeconômico do IBGE, Prof. Dr. Jefferson Mariano; o historiador Prof. Rafael Lopes, o ativista da UNEAFRO, Prof. Douglas Belchior, autor do Blog “Negro Belchior“, da revista “Carta Capital”; e o estudante da Cásper Líbero Matheus Moreira, membro fundador do coletivo negro da instituição, AfriCásper.  A discussão foi mediada pela professora da casa, Juliana Serzedello. 

Segundo a PNAD, Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios – realizada anualmente pelo IBGE -, de 2013, aproximadamente 54% da população é negra. O estado com mais negros é o Pará, com 76,76% da população negra. O censo de 2010 do IBGE indicou que quase 7 milhões de negros estão morando em favelas, enquanto quase 3,5 milhões de brancos estão na mesma situação. Da parcela dos 10% mais pobres na população brasileira, 74, 57% são negros; e da parcela do 1% mais rico, apenas 16,3% são negros.

O IBGE também mostra que a expectativa de vida dos negros é menor que a dos brancos: apenas 1,95% dos negros atingem uma idade igual ou superior a 70 anos. 

Posso continuar a dar dados, mas acho que estes são suficientes para perceber que a população negra vive uma realidade extremamente injusta, mesmo sendo maioria. De acordo com os palestrantes, isto é resquício da nossa escravidão que perdurou durante 388 anos, o equivalente a 3/4 da história do Brasil. Para eles, a abolição da escravidão nunca teve a intenção de libertar totalmente e incluir os negros na sociedade, “A Lei de Terras, implantada 40 anos antes da abolição, foi para dar só às elites a posse da terra. A Lei do Ventre-Livre foi uma desculpa para os donos de escravos ganharem mais dinheiro: a criança negra, ‘livre’, não tinha para onde ir então ficava na casa do senhor, trabalhando, e o senhor ganhava do Estado por isso”, disse o Prof. Douglas Belchior. 

                         "A elite sempre teve medo dos negros" - Prof. Douglas Belchior

O Prof. Rafael Lopes também explicou que quando finalmente foi decretada a Lei Áurea (1888), os ex-escravos foram até mais excluídos da sociedade do que eram antes, pois não conseguiam um trabalho formal e, portanto, não tinham poder de consumo. E, apesar das gradativas medidas do Estado feitas para incluir essa parcela da população – iniciadas durante o governo de Getúlio Vargas, que pretendia criar uma identidade nacional, e passou a exaltar a capoeira e o samba, por exemplo -, ainda possuímos uma cultura com características escravocrata.

O clipe “Boa Esperança”, do Emicida, ilustra bem essa nossa herança escravocrata, com a imagem da mulher negra que nunca deixou de trabalhar na casa grande e exerce o papel de empregada doméstica, babá e até objeto sexual do senhor da casa.

“A elite branca sempre teve medo dos negros, por serem maioria, então, com o fim da escravidão, foi mudando suas estratégias de dominação. A PM, a favela, a cadeia, o latifúndio são todos instrumentos de dominação”, contou o Prof. Belchior. Como pontuou o estudante Matheus Moreira, muitos negros acabam por não querer ou demorar para assumir sua negritude para tentar serem aceitos. “Te falam que você é pardo, que você não é negro, porque, talvez, se você for pardo você pode ser aceito em ambientes que um negro não seria”. 

Infelizmente, muitos brancos ainda têm dificuldade de enxergar esse racismo – por vezes sutil – que existe em nossa sociedade. Eu mesma tive que desconstruir várias ideias que tinha sobre o tema e ainda busco essa desconstrução*. Mas não são todos que fazem o mesmo. Ultimamente tem sido dito que há racismo por parte dos negros. O que não é verdade. “A fala de que o negro é racista com o branco é para tentar esconder o racismo velado da nossa sociedade”, afirmou o professor Lopes. 

E o Prof. Belchior finalizou, “O racismo está tão enraizado que um negro, do Capão Redondo, vai para um protesto na Paulista com uma camiseta verde e amarela, diz que é proletário e acha que o Aécio representa os interesses dele (…) Aconteceu a chacina em Osasco e a gente trata isso como um evento pontual, mas não é”. 

Da esq. para a direita: o estudante Matheus Moreira, Prof. Douglas Belchior, Prof. Dr. Jefferson Mariano, Prof. Rafael Lopes e a Profa. Juliana Serzedello. (Foto: Camila Alvarenga)
Da esq. para a direita: o estudante Matheus Moreira, Prof. Douglas Belchior, Prof. Dr. Jefferson Mariano, Prof. Rafael Lopes e a Profa. Juliana Serzedello. (Foto: Camila Alvarenga)

* Escrevi esse texto como um artigo para a cobertura da palestra. Acabei emitindo minha opinião, mas quero deixar claro que não quero tomar o protagonismo de luta de ninguém. Estou ciente de que, por não ser negra, nunca vou entender completamente essa luta e, então, nunca poderei defender completamente a causa, por mais que eu seja totalmente a favor dela. Posso, apenas, tentar derrubar os preconceitos que possuo dentro de mim mesma, sempre buscando minha própria desconstrução, e dar todo o meu apoio àqueles que têm a coragem de lutar.


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